Casa Pia Atlético Clube - Site Oficial
Equipa Principal | 2024-03-01

À CONVERSA COM... ALEXANDRE ESTACA

À CONVERSA COM... ALEXANDRE ESTACA

Como surgiu esta paixão pela Fisioterapia?

É interessante, porque considero que a paixão pela fisioterapia foi surgindo já no decorrer da licenciatura. Não posso dizer que “sempre tive a ideia de ser fisioterapeuta desde pequenino”, ou que tenha decidido ser fisioterapeuta por um contacto com esta profissão no passado, porque esse contacto não existiu.

Porém, considero que a escolha pela fisioterapia teve como base três fatores: a nível pessoal, sempre fui uma pessoa empática, com gosto por ajudar e cuidar dos outros; a nível escolar, tinha especial interesse pela área das ciências, e do funcionamento do corpo humano; e a prática de futebol federado desde criança acrescenta a componente do exercício e do movimento aos argumentos já mencionados.  Penso que foi esta combinação chave para a escolha desta profissão.

 

Em que momento decidiste que te querias especializar na área do desporto?

Ao contrário da fisioterapia que, tal como já mencionei anteriormente, foi uma “paixão tardia”, a paixão pelo desporto acompanha-me desde pequenino. Lembro-me de ver os jogos de futebol na televisão e sonhar um dia estar naquele contexto de alta competição. Porém, reconheci desde cedo que as minhas capacidades como jogador de futebol não me permitiriam alcançar esse nível.

Assim, vi na fisioterapia uma oportunidade para estar num contexto de exigência onde como atleta sabia, desde muito cedo, que não iria estar. Dessa forma, procurei desde cedo especializar-me nesta área, procurando ferramentas e conhecimento que me permitissem entrar, permanecer e ter rendimento na minha profissão.

Experiências curriculares como um estágio no Centro de Alto Rendimento do Jamor, bem como a implementação de um projeto de prevenção de lesões no Vitória Futebol Clube, vieram fortalecer o meu gosto por esta área, abrindo-me também portas para o inicio da minha carreira profissional nesta área.

 

Quais os principais desafios que enfrentas nesta profissão?

Considero esta profissão, em especial neste contexto de alta competição, muito desafiante. É um contexto onde a exigência, a responsabilidade e a disponibilidade têm de ser máximas. Apesar de o trabalho visível serem 90 minutos no final de cada semana, cada jogo obriga a uma grande preparação diária. Esta preparação engloba tomadas de decisão difíceis , e que nesta profissão, estão na grande maioria das vezes relacionadas com a saúde dos atletas, acentuando a responsabilidade das mesmas.

Sendo o futebol um desporto coletivo, este é um contexto onde para além das competências técnicas são exigidas competências humanas, relacionais e de gestão emocional. O contacto diário com todos os jogadores e a gestão de todas as emoções, expectativas e personalidades, faz com que seja um trabalho desafiante. Na verdade, o fisioterapeuta acaba por ser um dos profissionais que mais tempo passa com os jogadores nos seus piores momentos, as lesões.  

Para além da importância das competências já mencionadas na relação com os jogadores, estas também assumem elevado destaque na gestão diária dos profissionais com os quais trabalho diariamente no departamento de fisioterapia, e que procuro que sejam parte ativa da coordenação do mesmo.

Desta forma, procuro trabalhar de forma próxima com o departamento de psicologia, com o objetivo de potenciar a minha capacidade de gestão emocional, gestão de conflitos , e procurando encontrar estratégias que melhorem a minha relação com jogadores e outros profissionais.

Apesar de todos estes desafios, e mesmo com as muitas viagens e horas passadas longe da família, sinto-me muito feliz e concretizado em poder trabalhar numa área que gosto, rodeado de boas pessoas, que são altamente competentes nas suas áreas, e que me motivam diariamente a querer mais e melhor.

 

Quais são os principais desafios enfrentados pelo departamento de Fisioterapia num clube profissional de futebol?

É importante compreender que o principal objetivo de toda a estrutura que trabalha num clube profissional de futebol, é o seu sucesso desportivo. Mesmo que depois cada departamento tenha os seus objetivos “internos”, o objetivo conjunto deve estar sempre em mente.

Desta forma, considero que o principal desafio é manter um equilíbrio entre aquilo que é o contexto atual e os objetivos da equipa, e aquilo que são os critérios e os tempos necessários para retornar os jogadores de lesão com a maior segurança e desempenho possíveis, evitando a ocorrência de recidivas.

Procuramos assim, tomar decisões ponderadas e criteriosas que permitam minimizar o risco de lesão e recidiva, e aumentar a disponibilidade para treino e jogo, bem como uma otimização do desempenho dos atletas e da equipa.

 

Como o departamento de Fisioterapia do Casa Pia AC aborda a prevenção de lesões entre os jogadores?

A lesão é um processo multifatorial, e desse modo a minimização desse risco deverá ser encarado da mesma forma. Para tal, o Casa Pia AC possui uma Unidade de Saúde e Performance (USP), constituída por elementos de diversas áreas, garantindo a multidisciplinaridade do seu trabalho.  Esta equipa é constituída por médico, fisioterapeutas, massagista, nutricionista, psicólogo, fisiologista e treinador de técnica individual. Para além da nossa equipa multidisciplinar, possuímos ainda uma parceria com o departamento de medicina dentária desportiva da Egas Moniz School of Health Science. Esta parceria permite o acesso a profissionais e recursos altamente especializados, permitindo dessa forma uma expansão da nossa capacidade de avaliar, identificar fatores de risco e intervir, nesta área extremamente relevante.

No que diz respeito à minimização do risco de lesão, o trabalho do departamento de fisioterapia inicia-se no conhecimento acerca das exigências físicas do futebol, e da incidência e prevalência de lesões nesta modalidade. Com base nesta informação, procuramos identificar na melhor evidência cientifica disponível, quais os fatores de risco associados a estas lesões, e estabelecer a partir daí uma bateria de testes que nos permitam identificar a existência dos mesmos em cada atleta.

Após a identificação dos fatores de risco, estes são separados em fatores de risco modificáveis (como por exemplo, níveis de força, amplitudes articulares, flexibilidade…) e fatores de risco não modificáveis (como a idade, o historial de lesões…). Posteriormente, e depois de concluída a recolha de dados iniciais e de traçados os perfis de risco , são elaborados planos de intervenção individualizados, com base nas necessidades e objetivos de, e para, cada atleta. Apesar de serem os fatores de risco modificáveis aqueles onde vamos incidir na nossa intervenção, os fatores não modificáveis assumem uma extrema preponderância no processo de contextualização e de tomada de decisão. Este plano é elaborado, debatido e complementado com as necessidades identificadas pelos elementos das diversas especialidades da USP, sendo posteriormente discutido com o atleta, e por fim implementado.

Visto que não podemos melhorar aquilo que não avaliamos, são estabelecidas estratégias e timings de monitorização dos atletas, mensurando a evolução dos atletas ao longo do processo. Os timings de reavaliação são definidos com base nas métricas a avaliar, nos objetivos para o atleta e no calendário da competitivo.

 

Existem programas específicos ou práticas adotadas para minimizar o risco de lesões?

Para além do processo de avaliação e monitorização já mencionados, a comunicação entre departamentos assume-se como uma prática essencial para a minimização do risco de lesão. É de extrema importância a comunicação diária existente entre os diversos departamentos, garantindo a transmissão efetiva de informação acerca do estado de prontidão dos atletas e de eventuais queixas existentes. Esta comunicação permite, por exemplo, um ajuste das cargas de treino, seja em campo ou ginásio, ou até um ajuste nas estratégias de recuperação utilizadas com o atleta. Mais do que um fator isolado, a conjugação da informação dos vários departamentos permite tomadas de decisão mais sólidas e eficazes.

Para além da comunicação, é também nossa responsabilidade, junto dos atletas e de outros intervenientes possuir um papel educativo, abordando e debatendo estratégias que visam um objetivo comum: minimizar a ocorrência de lesões.

Simples ações como a utilização de material desportivo adequado, a manutenção do terreno de treino/jogo ou a seleção de jogadores são medidas que também elas podem contribuir para a minimização do risco de lesão.

 

Quais são as estratégias e protocolos implementados para acelerar a recuperação dos jogadores após lesões?

É importante ter em consideração que a nossa capacidade de acelerar processos fisiológicos é limitada. O corpo humano, e as respetivas estruturas anatómicas, possuem tempos de cicatrização que devem ser respeitados, mesmo em atletas de alta competição. É também muito importante salientar que nem todos os atletas recuperam da mesma forma, mesmo quando sofrem uma lesão do mesmo grau, na mesma estrutura, ao mesmo tempo. Desta forma, a individualidade de cada atleta deve ser respeitada.

O fisioterapeuta possui sim, um papel de extrema importância na otimização desse processo, através da aplicação dos estímulos adequados, no momento adequado e na dose adequada. Simultaneamente, o fisioterapeuta deverá realizar uma monitorização das respostas do atleta aos estímulos aplicados, procurando adaptações e corrigindo possíveis compensações, com vista aos objetivos finais.

Desta forma, o nosso objetivo passa por garantir que conseguimos retornar os atletas o mais cedo possível, garantindo a máxima segurança no processo, e tendo em consideração eventuais tempos de cicatrização das estruturas, quando aplicável. Para tal, procedemos à elaboração de um plano de reabilitação individualizado e específico à condição e necessidades do atleta, baseado em critérios de progressão entre as diversas fases, e com um controlo de cargas de modo a permitir uma progressão gradual. Este processo, habitualmente, é realizado pela equipa de fisioterapeutas, médico, fisiologista e preparador físico.  

Associado a isto, e em colaboração com o departamento de nutrição, procuramos garantir que os atletas realizam uma alimentação adequada ao processo de reabilitação, podendo existir um ajuste nutricional, promovendo um assíduo controlo do estado de hidratação, também ele essencial durante este processo.

A colaboração com o departamento de psicologia é também essencial, procurando por exemplo diminuir fatores de stress que possam influenciar o processo de recuperação dos atletas, bem como, gerir expectativas e potenciar a confiança do atleta no seu retorno à competição, critério esse fundamental no processo.

Todo este processo é um equilíbrio, envolvendo todos os elementos da USP, e onde os objetivos da equipa e do atleta também devem ser equacionados.  

Mais do que tecnologias de ponta, a recuperação dos atletas é sustentada em pilares fundamentais como a alimentação/hidratação, o sono, o treino adequado. É esta a base da pirâmide, as fundações da casa. Todas as tecnologias que se possam acrescentar são extras, e não devem substituir esta base. Muitas delas até sem evidência cientifica que sustente a sua utilização. Como gosto de dizer : perfeito, é o simples bem feito!

 

Como a equipa de fisioterapeutas avalia e diagnostica lesões entre os jogadores?

Após o aparecimento de queixas, sejam elas  ou de sobrecarga, os atletas são avaliados por um dos fisioterapeutas, e pelo médico. Coloque-se o cenário de uma lesão aguda no treino, onde o atleta é incapaz de finalizar o mesmo, este é removido de campo e é realizada uma avaliação inicial por um dos fisioterapeutas.

Esta avaliação inicial tem como principal objetivo, compreender a necessidade de uma avaliação médica imediata, ou de um encaminhamento hospitalar urgente. Após esta avaliação inicial, toda a informação é transmitida ao médico do clube, e caso não sejam necessários cuidados hospitalares imediatos, o atleta é reavaliado 2-3 horas após o momento da lesão, procurando uma avaliação mais clara e objetiva.

À semelhança da avaliação inicial, a informação recolhida nesta segunda avaliação será apresentada ao médico, que reavaliará o atleta no dia seguinte, quando necessário. Cabe ao médico, após a sua avaliação, a requisição de exames complementares de diagnóstico ou o encaminhamento para consulta de especialidade, caso identifique essa necessidade, com vista ao estabelecimento de um diagnóstico da lesão e respetivo prognóstico.

 

Existem tecnologias ou métodos avançados utilizados nesse processo?

A parceria existente entre o Casa Pia AC e o Hospital da Luz Lisboa permite a realização de diversos exames complementares de diagnóstico, utilizando as melhores tecnologias para este âmbito. De salientar que esta parceria permite também o acesso a especialistas das mais diversas áreas, servindo os nossos atletas de cuidados de saúde especializados e individualizados às necessidades de cada condição.

O Casa Pia AC possui também uma parceira com a Clínica Lambert que permite a utilização de diversos recursos, tais como a avaliação isocinética, permitindo uma avaliação da evolução dos níveis de força, e de simetria, durante os processos de reabilitação.

Para além destas parcerias, o Casa Pia AC colabora com uma ampla rede de profissionais especializados em diversas áreas de diagnóstico e intervenção.

 

Como o departamento de Fisioterapia colabora com a equipa técnica para garantir que o condicionamento físico e a recuperação estejam alinhados com os objetivos da equipa? 

Esta é uma tarefa que não se resume ao departamento de fisioterapia, trabalhando toda a USP, diariamente em conjunto com a equipa técnica, para o cumprimento destes objetivos.

É aplicado diariamente, por parte do preparador físico, e num contacto direto com os atletas, um questionário de bem estar, procurando compreender o seu estado de recuperação, a qualidade do sono e a existência de dor ou queixas musculares. Esta informação é depois partilhada com os restantes elementos da USP.

Simultaneamente, os atletas que tenham reportado queixas são alvo de uma avaliação por parte da equipa de fisioterapeutas, procurando identificar situações de risco em que seja necessário um ajuste do estímulo de treino para o atleta, ou até a remoção do mesmo, e intervindo de imediato em situações de resolução mais simples. Para além dos atletas com queixas reportadas, também os atletas referenciados com perfis de risco, e atletas com maior carga registada, são habitualmente alvo deste acompanhamento diário.

Cabe também aos fisioterapeutas o planeamento e implementação das estratégias de recuperação habitualmente realizadas no clube, tais como a crioterapia, terapia de contrastes, pressoterapia, trabalho de mobilidade articular e massagem. Procuramos recuperar os jogadores não só para o jogo, mas também diariamente para o treino. A exposição do atleta ao treino é de extrema importância, para a otimização da sua performance e para a sua “proteção” em jogo. Gosto de pensar que “o veneno (na dose certa) acaba por também ser o antídoto”.

Estas informações, são complementadas com as monitorizações realizadas pelo departamento de performance e nutrição, permitindo tomadas de decisão diárias com vista à melhor recuperação dos atletas , e à otimização da sua performance.

 

Como a fisioterapia personaliza o tratamento para atender às necessidades individuais de cada jogador?

“A lesão é uma oportunidade para a mudança” é uma frase que não sendo da minha autoria, me identifico e procuro implementar na minha prática profissional. Esta forma de encarar as adversidades assume um especial destaque quando se tratam de lesões prolongadas. Porém, mesmo em lesões de curta duração, podem ser iniciados processos de mudança, seja de aquisição de novas rotinas, seja da introdução de novos estímulos que por vezes em períodos competitivos não são possíveis.

Dessa forma, e após a ocorrência de uma lesão, é realizada uma reunião entre os diversos elementos da USP e são estipulados objetivos e critérios com base nas características da lesão sofrida, nas necessidades do atleta (identificadas nas avaliações e monitorizações realizadas), e no perfil do jogador/exigências da posição. Posteriormente, o plano é apresentado ao atleta, existindo espaço para o debate acerca do mesmo, procurando também ajustar expectativas existentes.

 

Existe alguma inovação recente que tenha impactado positivamente no departamento?

O Casa Pia AC tem investido, nos últimos anos, em melhorar as condições de trabalho, dos atletas e profissionais responsáveis pela saúde e performance dos mesmos. Dessa forma, foram adquiridas instrumentos que permitem melhorar as condições de treino dos atletas, bem como a sua avaliação, monitorização e recuperação.

Para além deste investimento a nível de condições materiais, tem também existindo um investimento relativo aos recursos humanos, expandindo e enriquecendo a estrutura da Unidade de Saúde e Performance com profissionais qualificados e com experiência profissional nas suas áreas de ação.

 

Como o departamento avalia o desempenho da equipa de fisioterapeutas?

O sucesso desportivo da equipa é o objetivo principal no Casa Pia AC. Este é um objetivo que é transversal aos diversos departamentos , porém considero que este não pode ser o único, ou mesmo o principal critério de avaliação do desempenho da equipa de fisioterapeutas.

Da mesma forma que um bom trabalho do departamento de fisioterapia pode não resultar numa vitória, uma derrota também pode não espelhar um mau trabalho do nosso departamento.

Com base em estudos epidemiológicos realizados noutras equipas de contextos equivalentes, ou em dados existentes de épocas anteriores da nossa equipa, o departamento procura avaliar o seu desempenho através de uma: diminuição do número de lesões, diminuição do tempo de paragem devido a lesão (treino/jogo), aumento a disponibilidade dos atletas (treino/jogo) e diminuição o número de recidivas.

Para além disso, procuro receber feedback de vários elementos, seja internamente ao departamento, seja de outros departamentos, inclusive dos jogadores. Com isto, e após reflexão acerca do feedback recebido, procuramos melhorias constantes no nosso funcionamento.

À CONVERSA COM... ALEXANDRE ESTACA
Partilhar: